sábado, 4 de abril de 2015

O fôlego interminável de Cinderela


Em 1950 o estúdio de animação de Walt Disney estava à beira da falência. Os duros anos da Segunda Guerra, que impediam o lucrativo público Europeu de ir ao cinema, e uma série de produções de baixa qualidade lançadas no anos 40 comprometeram seriamente o seu caixa e a sua credibilidade. Eles precisavam urgente de uma nova "Branca de Neve", uma produção que elevasse a moral da empresa, trouxesse lucro e que encantasse o público. Cinderela foi lançado como uma última aposta, o "ou-vai-ou-racha" definitivo. Considerado até hoje como uma das melhores animações já feitas, o filme foi um enorme acerto em todos os sentidos, técnicos e narrativos, e o resultado refletiu na gorda bilheteria, que salvou as contas do estúdio e deram o capital para que a construção da Disneyland fosse viável. 

65 anos depois , já a muito tempo estabelecida como uma gigante quase imbatível no mundo do entretenimento, a versão live action da gata borralheira chega aos cinemas com a mesma inocência e carisma do original e, ajudado por uma história mais bem cadenciada, melhor desenvolvimento de personagens e efeitos especiais impressionantes, supera a animação em (quase) todos os aspectos.

Poderia ser um tiro no pé, afinal Cinderela pode ser considerada um tipo antiquado de princesa. Totalmente passiva aos maus tratos de sua madrasta e meia irmãs, ela precisa que outros venham em sua defesa, seja o príncipe ou a Fada Madrinha, para ter a chance de sair dessa vida de abusos e humilhações. Em uma época de princesas que assumem o controle de seu próprio destino, como a Rapunzel de Enrolados e a Elsa de Frozen, esse perfil pode ser um tanto ultrapassado, por isso o roteiro da adaptação foca na gentileza de Cinderela, valor que ela aprendeu com a mãe como um mantra a ser repetido em tempos de crise, fazendo com que ela não seja submissa, ela apenas está sendo gentil. Pode parecer um tanto carola, mas funciona bem na história.


Para encarnar Cinderela foi escalada a quase desconhecida Lily James, que será reconhecida pelos fãs da série britânica Downton AbbeyLily consegue entregar o que se espera da personagem sem parecer vítima ou sonsa, encontrando um bom equilíbrio entre o ingênuo e o perspicaz, importante para não torná-la "boazinha" demais a ponto de fazer o público torcer para a vilã. Cate Banchett, no papel da madrasta, tem um desempenho competente, mas muito contido para uma posição em que ela poderia ter sido um pouco mais extrovertida.

O personagem que mais se beneficiou nesta nova versão foi o príncipe. Ele, que sequer tinha um nome no filme original, agora tem um motivo coerente para se apaixonar por Cinderela ao se encontrar com ela na floresta. Interpretado por Richard Madden, o Robb Stark da série Game of Thrones, o príncipe ganha um nome (Kit), carisma e, o mais importante, personalidade.

É bom ver Helena Bohan Carter fazendo um personagem alegre e iluminado. Como a Fada Madrinha ela se afasta do estigma dos personagens obscuros, como Belatrix Lestrange da série Harry Potter, sem deixar de dar um ar de perspicácia e ironia a um papel relativamente pequeno para a importância que ele tem para o enredo.



Kenneth Branagh tem uma excelente direção em filmes com grandes efeitos especiais, e aqui ele consegue superar o bom trabalho feito em Thor, de 2011. O visual do filme é espetacular e deslumbrante, enchendo a tela de belíssimas imagens. Toda a sequencia da fuga de Cinderela do castelo após a meia noite, com os animais e a carroça lentamente voltando as suas formas originais, é totalmente impecável.

Só fiquei um pouco decepcionado com uma cena: da madrasta rasgando o vestido que Cinderela usaria no baile. No desenho, a madrasta incita Anastácia e Drisella ao reparar que o vestido foi feito usando itens rejeitados anteriormente pelas irmãs. A cena é realmente forte, mostrando a crueldade, inveja e egoísmo das duas, deixando Cinderela, literalmente, aos trapos. Assista a cena no vídeo abaixo:


No filme, a madrasta dá uma ou duas rasgadinhas no vestido ,e só. Perdeu-se toda a carga emocional da versão original e também a chance de fazer uma cena que poderia ser clássica.

Apesar de ser mais batida que as tramas da Malhação, ainda é possível se divertir e se emocionar com a menina do sapatinho de cristal, provando que até uma história cheia de clichês pode ser um bom entretenimento. Agora vamos esperar que os já anunciados filmes live action de A Bela e a Fera e Mulan mantenham esse padrão de qualidade.

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